Mestrandas em Desenvolvimento Local investigam impactos do território nas denúncias

O fato de a região do Anhanduizinho concentrar a maioria das denúncias de violência doméstica, em Campo Grande, chamou a atenção de duas pesquisadoras da Capital. Elas querem saber se as vulnerabilidades urbanas estão relacionadas aos índices de violência contra a mulher e, a partir disso, subsidiar políticas públicas mais eficazes.
Pesquisadoras investigam a relação entre vulnerabilidades urbanas e violência doméstica na região do Anhanduizinho, em Campo Grande. A área concentra 25% das denúncias de violência contra mulheres e abriga 24,3% da população da cidade, com 218,5 mil habitantes. O estudo, conduzido por uma advogada e uma arquiteta da UCDB, analisa como fatores como infraestrutura precária, crescimento desordenado e questões socioeconômicas podem influenciar os índices de violência. A pesquisa visa subsidiar políticas públicas mais eficazes para proteção das mulheres na região.
Com o tema “Mulheres e Direitos Fundamentais: Estudo da violência de gênero na região do Anhanduizinho”, a pesquisa é realizada pelas mestrandas em Desenvolvimento Local, a advogada Camila Dowe Ferreira Gusmão e a arquiteta Silvana Romanini Monti, que apostam na integração de áreas distintas para analisar um problema complexo e persistente da Capital.
A investigação faz parte do Programa de Pós-Graduação da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) e partiu inicialmente do levantamento divulgado pela Prefeitura de Campo Grande, neste ano, que aponta que o Anhanduizinho concentra entre 24% e 25% das denúncias de violência doméstica registradas nos serviços de atendimento às mulheres na cidade, em 2024.
Além de extensa, a região é a mais populosa da Capital, com 218,5 mil moradores, ou seja, 24,3% da população da cidade, que é de 898,1 mil habitantes. A área aparece também como a que mais cresceu na última década, com expansão estimada em cerca de 18%, marcada por ocupações desordenadas.
Um dos casos recentes que chamou a atenção da sociedade, envolveu Marcos Antônio de Souza Vieira, de 59 anos, que sequestrou e atirou diversas vezes contra a ex-companheira após ela se recusar a reatar o relacionamento. O crime ocorreu na região e foi monitorado por câmeras de segurança que mostram Vieira ao abordar a mulher em uma rua do Jardim Centenário e atirar contra ela em um posto de combustível no bairro Parati.
Anhanduizinho – Segundo Camila Gusmão, a escolha do território foi reforçada após uma visita técnica realizada com outros mestrandos, professores, doutorandos e representantes da Prefeitura. A atividade teve como objetivo identificar vulnerabilidades sociais, compreender o processo de ocupação urbana e ouvir gestores locais sobre os principais desafios enfrentados pela população.
“O Anhanduizinho passou por um processo intenso de transformação. Antes marcado por ocupações precárias, hoje vive a chegada do asfalto, do saneamento, da regularização de moradias e até da construção de condomínios”, explica.
Para a pesquisadora Silvana Romanini, o crescimento acelerado da região, aliado a fatores sociais e econômicos, pode contribuir para o aumento dos casos de violência doméstica. “Queremos entender se essas ocorrências estão relacionadas à densidade populacional, à dependência financeira, à formação familiar ou a outras vulnerabilidades presentes no território”, afirma.
Infraestrutura – De acordo com Silvana, o olhar da Arquitetura entra justamente na análise dessas condições urbanas. O estudo dela se concentra nos impactos do crescimento periférico e desordenado do Anhanduizinho, especialmente em bairros como Centro-Oeste. Durante o trabalho de campo, as pesquisadoras identificaram problemas recorrentes como precariedade de infraestrutura, déficit habitacional, saneamento insuficiente, transporte público limitado, áreas com ocupações irregulares e regiões sujeitas a alagamentos. Em alguns pontos, as ruas foram abertas pela própria comunidade, evidenciando a fragilidade do planejamento urbano.
Nos relatos coletados durante o trabalho de campo, surgem também questões como desagregação familiar, encarceramento de membros da família, presença de padrastos ou avós como responsáveis e a concentração de crianças em contextos de maior vulnerabilidade social.
Estatísticas – Apesar de reunir bairros com diferentes níveis de estrutura, alguns mais consolidados, como Jardim América e Jockey Club, e outros com maiores carências, as pesquisadoras buscam compreender por que a concentração de denúncias é tão elevada em determinados pontos da região. Um dos entraves do estudo é a limitação no acesso a dados mais detalhados, já que os registros oficiais não discriminam as ocorrências por bairro, apenas por região administrativa. E é esse levantamento por localidade, o foco atual da pesquisa.
“Ainda estamos em fase inicial, mas queremos investigar se essa alta incidência de denúncias está relacionada diretamente às vulnerabilidades urbanas, à falta de infraestrutura e ao acesso restrito às políticas públicas”, explica Silvana.
Políticas Públicas – Do ponto de vista jurídico, Camila destaca que o mapeamento pode se tornar uma ferramenta estratégica para o poder público. “Os resultados podem embasar campanhas de conscientização, fortalecer políticas públicas e orientar investimentos para reduzir a violência e proteger as mulheres dessa região”, pontua.
Ela ressalta ainda que pesquisas indicam que mulheres de classes sociais mais altas tendem a denunciar menos a violência, o que reforça a importância de analisar o território, as condições de vida e o acesso à rede de proteção.
O levantamento já foi apresentado durante um congresso de Direitos Humanos promovido pela Defensoria Pública e deve ser aprofundado ao longo de 2026. A intenção das autoras é transformar o estudo em artigo científico e, futuramente, em materiais de caráter prático, como cartilhas e propostas voltadas à formulação de políticas públicas.
Para as pesquisadoras, a integração entre Direito e Arquitetura permite compreender a violência de gênero não como um fenômeno isolado, mas como resultado de desigualdades sociais, econômicas e territoriais.
“Não dá para ficar em silêncio diante do crescimento da violência doméstica. Precisamos produzir dados, apontar caminhos e contribuir para políticas públicas que promovam mais segurança e qualidade de vida para as mulheres”, concluem as pesquisadoras.
Bairros – A região do Anhanduizinho é composta por 14 bairros, sendo eles: Aero Rancho, Alves Pereira, América, Parati, Pioneiros, Piratininga, Jockey Clube, Guanandi, Jacy, Lageado, Los Angeles, Centro Oeste, Centenário e Taquarussu. Cada um dos bairros é subdividido em dezenas de parcelamentos e vilas como Jardim Campo Nobre, Jardim Canguru ou Parque do Sol.
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