Programa do TJMS lida com conflitos entre adolescentes e aposta no diálogo para reduzir reincidência
A troca de nudes entre adolescentes, xingamentos que viram boletim de ocorrência e até ameaças contra a própria mãe são alguns dos muitos conflitos que chegam à Justiça Restaurativa Juvenil em Campo Grande, responsável por atender casos de menor potencial ofensivo envolvendo adolescentes.
A Justiça Restaurativa Juvenil em Campo Grande tem se destacado como uma alternativa para resolver conflitos envolvendo adolescentes, promovendo diálogo e pacificação. Em 2025, o setor, conduzido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, recebeu 230 casos, com 39,5% resultando em acordos positivos. Os círculos restaurativos reúnem jovens, vítimas e familiares para reflexão e construção de acordos, que variam de pedidos de desculpas a gestos simbólicos. Apesar dos desafios, como a ausência de famílias ou a negação de responsabilidade pelos atos, o programa apresenta uma taxa de reincidência de apenas 3%. Casos como troca de nudes e conflitos familiares são tratados de forma educativa, evitando procedimentos infracionais. A iniciativa busca sensibilizar os jovens, reconstruir vínculos e oferecer caminhos alternativos à punição.
Conduzido pela equipe de três analistas do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), somente em 2025, o setor recebeu 230 casos do tipo, cerca de 20 casos mensais, sendo 38 deles envolvendo conflitos no âmbito escolar. Deste total, 83 (39,5%) tiveram resultados positivos, ou seja, terminaram em pacificação, 82 seguem em andamento, e 62 (29,5%) tiveram desfecho negativo, o que significa que não chegaram a uma solução.
Quando há adesão, o processo avança para os círculos restaurativos, encontros que reúnem adolescentes, vítimas, familiares e um apoiador da comunidade. É nesse ambiente que o jovem reflete sobre o que motivou sua conduta, escuta o impacto causado e participa da construção de um acordo.
As reparações variam de pedidos de desculpas a gestos simbólicos. “Já tivemos uma menina que fez um tapete de crochê e entregou à própria mãe após uma ameaça”, lembra o facilitador. A mãe havia procurado a polícia por conta de agressões e ameaças da filha, no entanto, durante os círculos restaurativos, as duas conseguiram conversar e chegar a um entendimento.
Segundo o analista judiciário e facilitador Fabrício do Nascimento Chaves, quando o processo chega ao programa, um dos facilitadores tenta o primeiro contato com o responsável legal do adolescente. A etapa inicial, chamada de pré-círculo, determina o futuro do atendimento. É ali que o jovem explica se reconhece o ato e manifesta interesse em participar.

Sem solução – Fabrício Chaves afirma que cerca de 98% das ausências ocorrem justamente nesse momento. Entre os fatores que dificultam, conforme Chaves, estão famílias que não são presentes na vida dos adolescentes ou pais ou responsáveis que não podem faltar ao trabalho por conta do sustento da família.
Um tipo recorrente de caso sem solução é quando o jovem ofensor não reconhece a acusação. Há, por exemplo, casos em que a mãe do menino vitimado registra boletim de ocorrência e o ofensor nega que tenha cometido. “Quando não há responsabilização ou interesse, não tem como fazer restaurativo”, relata Chaves. Se o adolescente não é localizado por telefone, o contato é feito por carta registrada. Depois de três tentativas sem retorno, o caso volta ao juiz.
Pacificação – Mesmo assim, os resultados animam. A reincidência entre jovens que passam pelo programa gira em torno de 3%, segundo Chaves. “É gratificante ao extremo ver a transformação”, afirma. Ele cita o caso de uma mãe humilde que reencontrou um ano após o atendimento e lhe agradeceu porque o filho, antes envolvido em conflitos, havia mudado o comportamento e até o círculo de amizades, após ter participado do círculo restaurativo.
Outra situação comum é a troca de nudez entre namorados adolescentes. Quando o pai descobre o caso, procura a polícia e o caso acaba na Justiça Restaurativa, o que evita a abertura de um procedimento infracional.
Depois, do círculo vem o pós-círculo, no qual o programa verifica se o acordo foi cumprido, muitas vezes por meio de fotos, e registra o que o adolescente aprendeu com o processo.
Para o facilitador, o maior desafio é alcançar os adolescentes influenciados pelo meio e fazê-los perceber que existem outros caminhos. “Muitas vezes você vê que o menino é gente boa, mas está indo pelo rumo errado. A Justiça Restaurativa atua neste despertar”, resume.
O programa segue como alternativa educativa, centrada no diálogo e na reconstrução de vínculos e não na punição. Fabrício Chaves esclarece que a porta de entrada para a Justiça Restaurativa quase sempre é a mesma: um registro na delegacia e a análise do Ministério Público, que pode propor remissão, oferecer representação ou encaminhar o caso para o atendimento restaurativo, previsto no artigo 35 do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), que prioriza práticas educativas e reparadoras.
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